O que será do carnaval?
Até quando irão enfeitar as cidades para fingir que está tudo bem?
Por Carolina Cerqueira e Gabriel Barcelos
No domingo de carnaval, por volta das seis da noite, após três dias de folia e quilômetros de caminhada sob sol, chuva, som alto e toda a sorte de álcool no sangue e no ar, encontramos o primeiro ponto de hidratação no viaduto Santa Tereza. Era uma tenda com algumas dezenas de copos d’água distribuídos gratuitamente pela prefeitura de Belo Horizonte, sob gestão de Fuad Noman, uma das ações para “mitigar os efeitos do calor”. Como aquela, havia quatro outras tendas distribuindo água mineral nos dias de festa, além de 135 pontos de acesso à água, em geral bebedouros em parques, praças e alguns outros instalados exclusivamente para o carnaval. Para enfrentar o calor, Belo Horizonte também tem seu impressionante refúgio climático (um bebedouro de três bicas, uma árvore com um banco ao redor impresso em 3D e um nebulizador) na Carijós.
Nesse dia caía sobre o centro belorizontino um sol de trinta graus e uma sensação térmica de trinta e um, mas, no meio de centenas de milhares de pessoas marchando e cantando, o calor era naturalmente brutal. Estávamos todos nós, naquele ponto, empapados de suor que mantinha a purpurina sob nossa pele e carregávamos garrafas d’água vazias. Caminhamos pelo centro da cidade todos os dias, passando pelo Barro Preto, Savassi, Funcionários e toda a Avenida Brasil no Santa Efigênia, e outras que não lembramos o nome ou visitamos de passagem, entre um bloquinho e outro. Toda água que bebemos, trouxemos de casa ou compramos com ambulantes, pelo preço de cinco reais cada. Em alguns conseguimos um pouco de gelo para encher os copos e passar em nossos pescoços nos momentos mais agressivos de calor.
O carnaval de rua é, na prática, uma grande desculpa para atravessar a cidade a pé, visitando bairros inusitados e que, no dia a dia, dificilmente seriam vistos nos caminhos de quem estuda, pesquisa e estagia numa rotina receitada pelos itinerários das conduções. É um momento oportuno para conhecer a cidade de outra forma. Sentir no pé os calos dos passeios e sentir nos ombros a quentura do sol.
É impossível não reparar em cada buraco no asfalto quando se tropeça. Nas andanças pelas avenidas, entre uma canção e outra, é possível vislumbrar como a prefeitura lida com sua urbanização e como a grande folia é uma amostra de como Belo Horizonte lidará com os dias por vir.
O carnaval de 2025 prometia ser o maior de toda sua história, o que significa um giro bilionário na economia local e o acolhimento de seis milhões de foliões (3 vezes mais que a população normal da cidade). Essa ambição robusta, que previa 450 blocos de rua, mobilizou 2 400 guardas civis municipais no feriado, circulando a pé ou em viaturas, uma aparelhagem de vigilância com 4,6 mil câmeras com monitoramento de vídeo, dois postos médicos funcionando 24 horas por dia, na região centro-sul, no centro e no Santa Tereza, contando com ambulâncias que atravessavam ininterruptamente a cidade ao resgate das dezenas de ocorrências e socorros, além de uma força tarefa de 1500 garis trabalhando durante a folia ininterruptamente, acompanhando a marcha dos foliões, limpando as ruas antes, durante e após cada um dos blocos.
Também é nesse ano que a crise climática global desenrola-se para níveis irremediáveis, acompanhada da segurada virada do fascismo e de governos inaptos a lidar com os refluxos violentos da natureza e das temperaturas, que seguem em uma carreira paulatina de aumento em todo o mundo. Pouco tempo atrás, em um show imenso de uma cantora pop, uma jovem de vinte e três anos faleceu devido ao calor intenso no Rio de Janeiro. No mundo, entre os anos 2000 e 2019, estima-se que 419 000 pessoas faleceram devido ao calor extremo. Ondas de calor estão mais frequentes, os índices de temperatura estão disparando em toda a parte, períodos de estiagem e seca estão inegavelmente mais longos e fora de época e a tendência é piorar. Cabe às cidades, às grandes metrópoles, aos governos municipais, estaduais e federais, integrar urgentemente políticas agressivas para o combate dessas transformações, para adaptar os centros urbanos para os dias mais quentes que virão.
Um evento das proporções do maior carnaval de sua história, dentro de uma cidade com fama de boemia, mas que sofre em criar uma cultura urbana popular e descentralizada, como já comentamos em outro trabalho da RU3, atrai os olhares para as ruas, e junto com influenciadores que apareceram de surpresa pelos bloquinhos, a Belo Horizonte pareceu enfeitar-se de cidade sustentável, acessível e preparada para os desafios climáticos apenas por quatro dias no ano. Na gestão de Fuad, está sendo implementado um plano ambiental (que pode ser lido no link a seguir), que promete enfrentar as mudanças climáticas, mas vale pensar se, assim como os míseros cinco pontos de hidratação, as medidas são suficientes para enfrentar o calor, a seca e os dias infernais que estão por vir.
O carnaval parece, assim, uma vitrine do que a cidade poderia ser, do que deveria ser e do que ela é de fato.
Na belíssima desordem social e rearranjo urbano que o carnaval promove no Brasil inteiro, os despreparos das gestões das prefeituras tornam-se evidentes, mascaram-se as falhas e aparecem toda a sorte de contingentes para vender a ideia de que a cidade está pronta para o amanhã. Quando a poeira e as serpentinas caírem no chão e forem varridas para longe e toda a música e purpurina completamente esquecidas, voltarão todos os problemas de todas as grandes cidades e o trânsito seguirá como sempre seguiu, sem chuva, sem trio elétrico e sem preparo algum para o futuro.
Dizem que é bom morar num país tropical
abençoado por Deus, mas eu acho uma tristeza
Um dia eu encho o saco dessa condição nefasta
largo tudo e parto pro Alasca.
Sol Menor (Jimmy e os Rats)
Matéria sobre vida noturna de Belo Horizonte
Créditos:
Editoria: Júlia Miranda
Arte e capa para redes: Carolina Cerqueira