Táxi para o “banheirão”: quando o prazer do outro assusta, o que isso diz sobre liberdade sexual?
“Homens que fazem parte da estatística do que é ser gay não estão nesses lugares”: como a prática dos “banheirões” pode revelar a homofobia
Por Júlia Rhaine
Taxi zum Klo (Táxi para o Banheiro) é um filme alemão, de 1980, que conta a história do barbudo Frank Ripploh. Um professor que mantém sua vida profissional separada da vida pessoal, embora, às vezes, corrija os trabalhos dos alunos em banheiros públicos, enquanto espera para ter relações sexuais com um desconhecido.
A história de Frank Ripploh não é distante. Ao lado do Campus Pampulha da UFMG, no Centro Esportivo Universitário (CEU UFMG), entre um mergulho na piscina e uma caipirinha, acontecem os “banheirões” — sexo casual entre homens que ocorre dentro de banheiros públicos. É algo que Táxi para o Banheiro também mostra mais à frente.
O desfecho da trama revela a solidão profunda de Frank Ripploh. Performar esse professor empolgado e honesto, como forma de esconder sua sexualidade, é exaustivo. Frank tem plena consciência de seu vício sexual, mas encontrar nesse escape — na compulsão e na liberdade sexual — um alívio em meio a uma vida pacata, mesmo que seja em uma transa casual num banheiro público, não lhe parece uma opção tão ruim. O mesmo vale para aqueles que frequentam os “banheirões” do CEU.
É importante destacar que a prática de “banheirões” em locais públicos pode ser considerada crime de ato obsceno em lugar público, previsto no artigo 233 do Código Penal.
Entre março de 2023 e dezembro do mesmo ano, um antigo estagiário do CEU UFMG – sem o nome para manter o anonimato – informa que durante este período presenciou denúncias de atividade sexual dentro dos vestiários e nas piscinas do clube, feitas por mensagens (DM) no Instagram. “A gente recebeu uma mensagem dessa na DM do Instagram, alguém mandou um Spotted (página no Instagram onde universitários compartilham mensagens anônimas) e estava repercutindo muito, então chegamos para conversar com o pessoal (diretoria) para saber: e aí, o que a gente vai fazer?”, explica.
A denúncia mencionada é mais um dos inúmeros posts sobre homens que utilizam o espaço público para realizar suas práticas sexuais. Mas, da mesma forma que o estudante que fez a denúncia acima percebeu, o perfil de homens que realizam essa prática não são, necessariamente, de universitários, nem ao menos de homossexuais, ou dizem não ser, como explica ‘S’ – nosso confidente sobre os “banheirões” na universidade.
Alemanha, CEU, Lapa… onde que tem “banheirão”?
“Homens que fazem parte da estatística do que é ser gay não estão nesses lugares”, foi assim que ‘S’ começou a entrevista. Ao ser perguntado se participava da prática, explica que não: “Eu vou no darkroom (ambiente escuro, geralmente presente em boates ou festas, destinado a atividades sexuais discretas ou anônimas) se eu quiser uma coisa desse tipo, né? Um local fechado, para maiores de 18 anos, não é contra a lei [...].”
‘S’ continua, dizendo que estes locais são frequentados por homens de família, casados, bem mais velhos. Homossexuais ou bissexuais que não exploram a sua sexualidade dentro de casa, mas também não possuem dinheiro para alugar locais mais apropriados ou se submeter à prostituição. “Às vezes você vai no banheiro, você nem sabe que é um “banheirão [...]” e pessoas que você conhece nesses lugares, te contam coisas”, foi desta forma que ‘S’ soube das informações. Uma história parecida do professor adjunto da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Tedson Souza.
Jornalista e Doutor em Antropologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Tedson realizou o artigo “Fazer Banheirão: as dinâmicas das interações homoeróticas nos sanitários públicos da estação da lapa e adjacências” (2012), a fim de compreender a dinâmica – através de uma abordagem autoetnográfica – das práticas de pegação em banheiros públicos masculinos da Estação da Lapa, o maior terminal de ônibus urbano de Salvador. O doutor declara que existem poucos estudos sobre o tema na Antropologia, e foi guiado pela vontade de estudar questões de raça e sexualidade.
“Uma coisa comum nessa prática é o desejo, mas também, uma não identificação com questões de homossexualidade. A maioria daqueles homens não se enxergavam gays porque não participavam de atividades da comunidade. A maioria dos homens ali eram casados, então você tinha uma busca por um masculino, por uma invisibilidade, e uma rejeição de corpos feminilizados ", diz Tedson.
O pesquisador continua explicando que na sociedade, e principalmente no imaginário dos praticantes, a casa era o lugar dessa sexualidade cristã, para a procriação com a esposa, e a rua, de certa forma, era o lugar de uma sexualidade dissidente, suja e marginal.
Segue trecho da entrevista com funcionário de material elétrico – estação da lapa - 10/10/2011- presente no artigo de Tedson:
Funcionário: Minha primeira experiência foi a cinco anos atrás num banheiro da estação rodoviária de salvador. eu conheci um cara lindo e maravilhoso velho e foi inexplicável. eu não tava naquele mundo, mas foi uma coisa que me cativou. naquele momento eu senti, sei lá, um. eu não era gay eu me senti atraído por ele, aquele moreno lindo, cabelos, sei lá, escuros lisos e naquele momento eu fiquei cativado por ele. o tesão falou mais forte e ali ele me levou a loucura. ele me levou para um lugar maravilhoso, que eu não vou citar o lugar tal e foi só alegria.
Tedson: Essa foi a sua primeira experiência sexual com outro homem?
F: Sim, a minha primeira experiência se tornou um vício, porque assim, eu não me considero um cara gay. Eu simplesmente me sinto atraído pelos homens agora hoje em dia. porque assim como eu posso falar, é uma coisa inexplicável velho.
T: Porque você não se considera um cara gay?
F: Rapaz, velho. eu vejo isso como tesão porque eu não me comporto como um gay, eu não me vejo como um gay, na verdade. Então, para mim é sexo veio. E viva a sacanagem.
T: E como seria se comportar como um gay?
F: Porra se comportar como um gay na sociedade, na verdade é ser um gay mesmo. Têm gays que se mostram ser gays e têm gays que são reprimidos pela sociedade. E eu não me considero assim. Eu sou tranqüilo graças a Deus…
T: E sua família não lhe cobra namorada, mulher?
F: Tenho namorada.
T: Mas você prefere mulher ou homem?
F: Rapaz, eu vou ser sincero pra você. Eu pretendo me casar e ter filhos. E é isso aí velho.
T: Mas e sexo? Qual é a história de transar com homem?
F: É uma coisa inexplicável como falei pra você. É tesão velho. É inexplicável. Não tem nem como te explicar isso aí.
T: Qual o tipo de cara que você não pegaria?
F: O afeminado, velho. Não sobe de jeito nenhum, velho. Não dá, não rola. Porque eu gosto da atração de homem com homem. é uma pegada diferente, é... só eu sei viu. (risos)
O professor sinaliza que ainda vivemos em uma sociedade muito conservadora. Mesmo em grandes metrópoles, expressões de afeto entre dois homens em espaços públicos continuam sendo alvo de olhares atravessados. Esses homens encontram nos “banheirões” a liberdade sexual que não possuem no dia a dia.. E o mesmo acontece no Centro Esportivo Universitário da UFMG, ou qualquer “banheirão” pelo mundo.

“Seja numa universidade como a UFMG, ou numa estação como a Lapa, o que se busca ali naquela prática é anonimato. Tem a questão do fetiche? Tem, é claro. Mas também tem uma questão de ser anônima em meio público. Ser visto e percebido por aquilo, mas ainda se manter anônimo, para ninguém descobri-lo gay”, diz Tedson, que também utiliza o conceito para fazer uma analogia com o filme Taxi zum Klo.
Frank Ripploh, o protagonista do longa, é usado como referência em seu artigo, e demonstra a busca que esses homens têm por afeto de outro homem: “ É uma opinião muito pessoal, não é nenhuma constatação de pesquisa, mas essa busca pela prática sexual, de alguns homens gays, pra mim é uma busca por afeto. É pra encher a falta de afeto, né? É pra encher a falta de possibilidade de trocar carícias.”
“As mulheres costumam associar o sexo ao amor — claro, com exceções. Mas, no pensamento ocidental, cristão, parece que muitas colocam o sexo e o sentimento na mesma balança. Já os homens, não. Eles, de certa forma, se permitem viver uma sexualidade que é mais da rua, mais desvinculada do afeto”, afirma Tedson, o que completa a fala de ‘S’: “É como se fossem duas bombas de testosterona ali. Não tem a presença da mulher para manter a ordem, para organizar as coisas, entendeu?”
Voltando ao CEU!
O ex-estagiário do CEU UFMG afirma que as denúncias sobre práticas sexuais no clube foram encaminhadas à diretoria. “Era uma situação muito complicada. Como resolver um problema como esse? Existe uma vigilância, entre aspas, mas os funcionários não podem entrar nos banheiros por uma questão de privacidade. No fim das contas, acho que isso depende mais do bom senso de quem frequenta o clube”. A equipe da RU3 entrou em contato com a assessoria do centro universitário, mas não houve resultados.
Todas as fontes declaram a dualidade que pode ser causada devido a prática, além da falta de privacidade em banheiros públicos que essas situações causam.
Tedson Souza também declara: “A pesquisa é de 2012, até hoje recebo depoimentos assim de pessoas que leram o texto, que falaram, que, por exemplo, o texto ajudou de certa forma, tirou elas de um lugar de culpa ou de perturbação psicológica de que “banheirão” é errado. Tem gente que lê o texto e fala assim "ah, o “banheirão” me salvou, de certa forma". Já tem gente que lê e acha repugnante, tem gente que lê, e disse pra mim "ah, que absurdo que você pesquisou isso, isso é um conto erótico". E eu acho muito legal essa dualidade entre conto erótico e pesquisa acadêmica”.
No fim, tudo acaba em “banheirão”
No fim das contas, os "banheirões" escancaram mais do que práticas sexuais clandestinas — revelam dinâmicas de repressão, desejo e invisibilidade. Por trás das portas dos banheiros públicos, está uma parcela da população que ainda não encontra espaço legítimo para viver sua sexualidade de forma plena e segura. Entre olhares de julgamento, zonas de tolerância e silêncios institucionais, evidencia-se uma cidade que ainda não aprendeu a lidar com o prazer do outro, causando complexidade, violência e falta de privacidade em torno do tema e da prática.
Observação:
Agradecimentos especiais ao Professor Tedson Souza, que além do artigo referenciado no texto, implantou o projeto Produção e disseminação de (in)formação sobre o imaginário, a prevenção e as concepções sobre o HIV/AIDS, realizado no curso de Jornalismo da UFT.
O grupo sugere um monitoramento constante da situação do HIV/Aids, com análise de dados epidemiológicos, campanhas de prevenção, acesso a serviços de saúde e tratamento, e combate ao estigma associado à doença. É uma forma de acompanhar a evolução da epidemia e divulgar informações relevantes para a população em geral e para grupos específicos, como profissionais de saúde e pessoas vivendo com HIV.
Links importantes:
Repositório do artigo “Fazer Banheirão: as dinâmicas das interações homoeróticas nos sanitários públicos da estação da lapa e adjacências” (2012) de Tedson Souza.
Análise do filme Táxi para o Banheiro: “Taxi Zum Klo” assusta pela coragem e honestidade.
Reportagem sobre “Estudante negro e gay é encontrado morto na UFRJ" - Agència Brasil.
Dica do professor Tedson Souza: “Um Lugar Para Beijar”. Documentário curta-metragem, produzido pela Coordenadoria de IST/Aids em 2009, com direção da jornalista Neide Duarte. O filme mostra vulnerabilidades, espaços de lazer e amores de gays e outros homens que fazem sexo com homens, pessoas trans e profissionais do sexo, principalmente na periferia da cidade.
Editoria e revisão: Gabriela Coelho e Gabriel Barcelos
babado...
Amei a reflexão, uma construção cuidadosa e respeitosa do texto. Parabéns!