Por Davi Reis
Não sei nada sobre carros. Não assisto à Fórmula 1. Quando ando pelas ruas de Belo Horizonte, sei falar o nome de pouquíssimos modelos de automóveis, e - fora Lewis Hamilton e nosso querido Ayrton Senna - sequer reconheci os corredores famosos que aparecem em “F1”, o novo filme de Joseph Kosinski (“Top Gun Maverick”, “Tron: O Legado”), estrelado pelo medalhão de Hollywood, Brad Pitt (“Seven”, “Era Uma Vez em Hollywood”), que interpreta Sonny Hayes, um velocista amador que está voltando a participar da Fórmula 1 pelo grupo Apex Grand Prix Team (APXGP) vinte anos após sofrer um acidente que quase o matou.
No entanto, apesar de quem vós escreve ser um completo ignorante em relação ao mundo automobilístico, acho difícil negar a seguinte afirmação: carros são objetos fascinantes. É muito bonito como o ser humano conseguiu reunir centenas de quilos de metais em cima de quatro rodas para criar uma máquina capaz de deslocá-lo de forma mais rápida que seus pés e as bicicletas “penny-farthing” do século XIX.
Mas, ao mesmo tempo que essa invenção facilita a vida humana contemporânea, o carro é um objeto barulhento, defeituoso e difícil de controlar. E a maior prova disso é a existência de um ramo no sistema judiciário criado especificamente para “domesticar” o ser humano e impedi-lo de perturbar o bem-estar de sua comunidade com essa máquina destruidora, em que se precisa de uma certificação específica para poder controlá-lo de forma legal: a famosa CNH.
Nas produções midiáticas sobre carros que tive contato ao longo da minha vida, que vão desde a busca pelo drift perfeito do jogo “R4:Ridge Racer Type 4” até os olhos esbugalhados dos acidentes da série “Mad Max”, o ato de correr é sempre representado como um ritual em que as máquinas automobilísticas se libertam temporariamente dessa domesticação imposta pela lei. E a imprevisibilidade da corrida funciona como dispositivo semiótico/narrativo capaz de gerar felicidade, tristeza, coragem, medo e todas as emoções que nós seres humanos somos capazes de dar nome, uma vez que é o momento em que imprevisível pode se tornar possível.
O longa-metragem de Kosinski não foge muito desse modo de representar a corrida. Com um orçamento estratosférico e as logos das marcas que financiaram o filme pipocando na tela a cada segundo que se passa na pista, a equipe de direção faz questão de criar uma sensação de grandeza toda vez que Sonny e seu parceiro Noah (Damson Idris) – um piloto jovem e bastante promissor- estão pilotando. Através de uma montagem acelerada que alterna entre belíssimas imagens dos carros percorrendo as pistas, os rostos dos velocistas reagindo aos outros pilotos e a equipe de suporte agindo com muita pressa para que a dupla não seja prejudicada durante as corridas, F1 é uma obra que usa da urgência para desenvolver a relação da dupla.
Ademais, o fato do personagem de Pitt já ter sofrido um grave acidente, e posteriormente, presenciar um companheiro se acidentando, consegue deixar as corridas ainda mais dramáticas e ampliam o senso de risco e urgência conforme o filme vai chegando na corrida final. São os momentos de choque entre carros e capotamentos inesperados que nos lembram da fragilidade da vida humana diante dessas máquinas mortíferas.
Contudo, apesar da adrenalina pulsante das cenas de corrida, o diretor parece inseguro com as próprias imagens que cria, visto que grande parte das cenas que se passam fora desse espaço parecem existir apenas para explicar de forma didática os conflitos de Sonny e Noah, que já são sugeridos nos closes em seus rostos e diálogos durante as cenas de corridas. A chegada de Pitt ao autódromo no começo do filme e o contraplano que mostra o olhar de Idris vendo o veterano chegar já nos comunica como será a conturbada dinâmica da dupla.
Mas mesmo com a existência de cenas que falam por si mesmas, Kosinki opta pela redundância, em reforçar aquilo que é dito pelas imagens através do texto, o que quebra completamente o ritmo do filme na sua metade, além de enfraquecer a figura anárquica e confiante do personagem de Pitt. É como se, para o diretor, “humanizar” um personagem fosse desprezar suas contradições, os ruídos deixados por cada quadrado, a ambiguidade, o que não funciona em um filme que quer narrar uma história sobre um amontoado de engrenagens imprevisíveis correndo a 200 km/h.
Por fim, F1 encontra sua força nas cenas de corrida, onde o risco e a velocidade criam um espetáculo hipnótico e megalomaníaco, que enfraquece muito ao tentar explicar demais aquilo que já está sugerido nas imagens, na trilha, e principalmente, no atrito entre os corpos e as máquinas em cena.
Nota 2/5
Editoria e Revisão: Gabriel Barcelos