Muito além do pódio: A ascensão das corridas de rua no Brasil
Se tornou cada vez mais comum ver pessoas praticando corrida pelas ruas. Mas você já parou pra pensar por que esse boom no esporte aconteceu?
Por Victor Assunção
O que antes era restrito a pequenos grupos e eventos pontuais passou a ocupar os espaços urbanos. Da criança ao adulto, do rico ao pobre, do lazer à superação, a corrida de rua se tornou um fenômeno nacional. E ela vai muito além da busca por performance: o que move tanta gente são os encontros, os desafios pessoais e a liberdade de correr em meio à cidade. A corrida deixou de ser apenas uma atividade física, se tornou parte da rotina, do estilo de vida e até da identidade de quem a pratica. Cada passo dado por essas pessoas nas ruas das cidades é, na verdade, um gesto de resistência, saúde e pertencimento.
Breno Couto, locutor oficial de corridas de rua há mais de 12 anos, vê esse crescimento de perto. Segundo ele, a corrida se consolidou por um motivo simples: acessibilidade.
“Você não precisa de muita coisa pra correr, no máximo um tênis, um short e uma camiseta. É um esporte democrático. Todo mundo pode correr, independentemente de onde mora, da classe social ou da idade. A corrida agrega.”
De fato, foi esse mesmo fator que levou a estudante Andressa Costa a calçar o tênis pela primeira vez. Durante a pandemia, treinando para um concurso público, ela saiu às ruas em busca de condicionamento físico e acabou encontrando muito mais do que isso:
“Eu era uma criança asmática, sedentária, e comecei a correr por obrigação. Mas com o tempo, virou um desafio pessoal. E quando comecei a ter resultado, veio o sentimento de pertencimento. A corrida virou parte da minha identidade.”
Esse pertencimento se estende para além do individual. Quem frequenta provas sabe: a coletividade é inegociável. Pessoas que nunca se viram, se apoiam na linha de chegada, grupos celebram juntos o ritmo de cada um, e até quem não corre se envolve. O evento ultrapassa a lógica da competição e se transforma em um espaço de acolhimento e festa. Breno explica que muitas corridas hoje são estruturadas para envolver todos os públicos, com atrações que vão desde área kids e shows até pontos de convivência e alimentação. O resultado é que as pessoas passaram a ir aos eventos não só para correr, mas para viver uma experiência completa.
A diversidade dos corredores também chama atenção. Homens, mulheres, idosos, crianças, iniciantes e atletas mais experientes dividem o mesmo percurso, cada um com seu pace (ritmo médio de um corredor). “Tem gente de tudo quanto é área: nutricionista, advogado, educador físico, gente de várias idades e histórias diferentes”, relata Andressa, que hoje corre com um grupo chamado Tupimaré Runners.
“A gente se encontra, corre, depois toma um café, conversa. Teve até uma prova que a gente ajudou um corredor que estava passando mal a terminar. É sobre isso também: ajudar, compartilhar.”
A pandemia, embora tenha interrompido os eventos por um tempo, também reforçou o desejo coletivo de ocupar novamente os espaços públicos, uma vez que as academias se fecharam. Segundo Breno, a retomada pós-isolamento foi marcada por um sentimento de liberdade e reconexão: pessoas voltaram às ruas com mais vontade de viver, de se movimentar, de se encontrar. Ele conta que a estrutura das corridas também mudou: hoje há mais eventos, mais empresas envolvidas, como os Supermercados BH, KTO e o Verde Mar, proporcionando maior organização e diversidade de provas, como corridas temáticas e provas voltadas a públicos específicos, como idosos e iniciantes, em geral, os eventos contam com corridas de 2, 5 e 10km, agregando atletas de todos os níveis. E com isso, o público se expandiu ainda mais.
“As pessoas queriam voltar a estar juntas, a se mexer, a viver algo fora de casa, e a corrida de rua entrega tudo isso. Em 12 anos, nunca vi uma briga em corrida. É todo mundo torcendo por todo mundo.”
A corrida também mudou o pensamento de Andressa sobre todas áreas, tornando-se um estilo de vida. Antes sem uma rotina pré-definida e longe das atividades físicas, hoje ela organiza o dia em torno do treino:
“A corrida me ensinou disciplina. Me ensinou a acordar cedo, a ter constância. Aplicar isso na minha rotina mudou tudo: estudos, trabalho, bem-estar.”
Mesmo em momentos difíceis, como um acidente que a impediu de participar de uma prova importante, ela percebeu o valor da pausa e da saúde mental. O excesso de cobrança a fez esquecer que era amadora, e a corrida que sempre foi um prazer, começou a virar peso. Foi preciso parar para lembrar por que começou.
Do ponto de vista dos organizadores, o crescimento é visível. Eventos se multiplicaram. Só em 2025, mais de 40 corridas aconteceram em Belo Horizonte, segundo o TBH Esportes; grupos e assessorias se fortaleceram, e a estrutura das provas se tornou cada vez mais profissional. Hoje, a corrida é pensada como um espetáculo completo, que movimenta não apenas atletas, mas famílias, amigos e pessoas que buscam uma forma mais saudável e social de viver a cidade. Para Breno, isso também trouxe uma nova função social ao seu trabalho como locutor: ele não apenas anuncia nomes e tempos, mas participa diretamente da construção de um clima de acolhimento, vibração e comunidade.
E para quem corre, como Andressa, é mais do que esporte, é um refúgio. Um tempo só seu, longe das cobranças do mundo externo.
“Quando eu corro, é o único momento do dia que é só meu. Eu deixo casa, trabalho, estudo de lado e foco em mim. É a forma mais pura de estar presente.”

Mais do que ocupar ruas, as corridas de rua vêm ocupando também um espaço simbólico no cotidiano de milhares de brasileiros. Elas se firmam como uma prática social, afetiva e cotidiana. Em um cenário de rotinas cada vez mais aceleradas e exigentes, correr passou a ser para muitos, uma forma de respirar, de encontrar um espaço de autonomia, de presença e de conexão real com o próprio corpo e com o outro. Enquanto houver ruas abertas e gente disposta a dar o primeiro passo, a corrida continuará crescendo, não só em números, mas em significado.
Editoria: Gabriel Martins
Revisão: Gabriel Barcelos