A lenda da “Caixa Preta da BHTrans” e o sucateamento do transporte público
Por Mayra Emanuelle Santana Barbosa
Desde o período de prefeitura de Alexandre Kalil, de 2017 a 2022, até a gestão de Fuad Noman, antes de seu falecimento, é comentado por Belo Horizonte os possíveis envolvimentos entre políticos e empresários do transporte público da cidade.
Ao fim de 2018, um acordo entre a prefeitura de Belo Horizonte e as empresas — algumas mais conhecidas dentro do grupo Saritur, que comandam 18% das frotas – foi estabelecido. Há, em média, 35 empresas rodando diariamente por BH. Todas elas fazem parte Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros em Belo Horizonte (SetraBH) —, para aumentar o preço da passagem de R$4,05 para R$4,50, valor estagnado por um período de 5 anos. Já em 2023, houve um aumento de 7,15%, custando R$5,25 e, agora, em 2025, o valor é de R$5,75 para viagens longas e R$5,50 para curtas. Sendo assim, a passagem mais cara da região sudeste.
A Prefeitura ressaltou a necessidade de reajuste para a continuidade dos investimentos no transporte público e melhoria dos serviços. No entanto, desde 2018, há estudos divulgados do Movimento Tarifa Zero que já comprovaram que a passagem poderia custar apenas R$3,45. São muitas as reclamações sobre o serviço de transporte público na cidade, principalmente por ter a quarta passagem mais cara do país, entregar um serviço com veículos passando por constante manutenção, poucas rotas e poucos horários.
O TZ é apenas um dos movimentos de luta para um transporte público melhor, apesar de ser um dos mais famosos não apenas em BH, como no Brasil. Muitos coletivos sociais têm como objetivo a retomada da cidade para os belorizontinos que vivem às margens, pessoas racializadas, LGBTQIAP+, que cresceram em favelas, não só no contexto do tráfego urbano, como também da sustentabilidade, do artístico e social como um todo. Acima de tudo, esses coletivos organizam os aborrecimentos de uma parcela de cidadãos que se sentem isentos da própria cidadania, dos próprios direitos.
Em 2021, o Ministério Público (MP) abriu uma auditoria para investigar a BHTrans, as empresas sob SetraBH, a Transfácil e outros parceiros, pensando justamente nos reajustes discrepantes, alegando incongruências de gastos. Desde que Kalil chamou os resultados daquela auditoria de “Caixa Preta da BHTrans”, uma nova lenda surgiu na cidade, muito maior do que os cálculos do Grupo Maciel. Com a passagem tão exorbitante, os belorizontinos teorizam sobre o teto de gastos e exigem a abertura da tal caixa preta, como um sopro de esperança para ônibus melhores.
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da BHTrans investigou os gastos e lucros das empresas de ônibus desde 2020, quais as fontes de receita não tarifárias e se houve ou não noticiamento. Apesar de muitos dados não terem sido encontrados neste buraco negro, sabe-se que as empresas de transporte terrestre devem em torno de R$ 1,5 bilhão para a União, mesmo após quitarem os custos da pandemia e com os subsídios da prefeitura de BH. Também, elas se beneficiam das Leis 10.728/2014, que extingue a cobrança do Custo de Gerenciamento Operacional (CGO), e 10.638/2013 que as isenta do pagamento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN).
A CPI não teve oportunidade de encontrar todos os dados e, agora, com a nova gestão, vinha sendo considerada a abertura de uma nova investigação que avalie os grandes lucros das passagens. Os quase três mil veículos carregam cerca de 23,5 milhões de passageiros por mês. Entre os problemas mais comuns estão falhas nos amortecedores, embreagem, parte elétrica; os bancos não são anatômicos e não possuem cinto de segurança; a estrutura dos transportes foi pensada para se ter mais passageiros de pé do que sentados, visto a quantidade de suportes para se segurar e poucos bancos disponíveis.
Gabriel Martins, estudante da UFMG, comentou sobre os percalços de depender do transporte público da cidade.
“Atualmente, no meu cotidiano, pego 7 ônibus por dia, todos de BH e nenhum metropolitano. Minhas principais reclamações são quanto às escalas dos ônibus. Outro grande problema é a qualidade dos veículos. Experiencio constantemente linhas quebrando, principalmente no MOVE. Essa é a terceira semana seguida que um ônibus que eu estou quebra e isso tudo culmina no aumento das passagens. Isso é transformar o transporte, uma necessidade básica da população, em objeto de lucro”.
A luta de classes se fortalece com o Movimento Tarifa Zero (TZ), que ganhou mais visibilidade neste carnaval de 2025, válido para ressaltar. Representando os aborrecimentos das camadas populares, o TZ começou a ter um reconhecimento maior no período das Jornadas de Junho de 2013, em que ocorreram vários protestos com temas diversos como ocupação urbana, moradia, coletivos culturais, coletivos e ativistas anarquistas, juventudes militantes de partidos e correntes de esquerda, entre outros.
O TZ já teve conquistas significativas em âmbito nacional. Como política pública, instaurou a gratuidade da passagem aos domingos na cidade de São Paulo, no Domingão Tarifa Zero. Em Uberlândia, estudantes do ensino médio, superior ou profissionalizante são isentos de pagar, política sendo analisada no momento pela prefeitura e câmara dos vereadores de Juiz de Fora.
Em BH, os primeiros passos do TZ foram na Assembleia Popular Horizontal de Belo Horizonte, a APH – BH, que tinha um grupo de mobilidade urbana que trabalhava pautas como a redução do valor da passagem, a elaboração de um plano para futuros transportes públicos gratuitos e a ampliação das linhas de metrô. Há pouco mais de um mês, no dia 4 de fevereiro, a vereadora Iza Lourença (PSOL), protocolou o projeto de lei (PL) para institucionalizar a tarifa zero em BH, em parceria do TZ com alguns coletivos como Nossa BH e Minha BH e também alguns movimentos estudantis de dentro da UFMG.
O projeto tem como objetivo deixar de cobrar os usuários do transporte e substituir a receita coletada das passagens e dos vales-transporte por cobranças à empresas variadas da cidade que tenham a partir de 10 funcionários. A cada empresa seria cobrado um valor justo de acordo com seu tamanho e, assim, é previsto que os ônibus se tornem gratuitos na capital dentro de 4 anos no plano protocolado.
Dentre os 41 membros da câmara, 22 vereadores votaram a favor do PL, com a justificativa de que além de ajudar pessoas que necessitam do serviço constantemente, a gratuidade tornará os transportes coletivos mais atrativos e com seu uso preferencial, reduzirá a quantidade de veículos particulares nas ruas, diminuindo assim a emissão de gases poluentes, ao menos em teoria. 18 membros majoritariamente da bancada de direita da câmara votaram contra. O vereador Helinho da Farmácia (PSD), deu algumas palavras sobre sua decisão de não votar, ainda.
“Esse movimento de captar mais assinaturas dos outros vereadores vem com o intuito de fortalecer o projeto já em sua fase inicial. Tenho que deixar bem claro já de início que sou totalmente a favor da tarifa zero em nossa cidade, mas o projeto de lei que foi proposto ainda não trata de muitas situações e, por isso, nesse primeiro momento optamos apenas por não assinar, para que possamos discutir melhor o que foi apresentado e até melhorar via emendas se for o caso. É importante ressaltar que essa pauta tem que ser discutida em toda região metropolitana. Importante BH sair na frente, mas precisamos que todos os municípios adotem a mesma política e que se integrem”, completa Helinho.
Apesar dos resultados desta votação inicial, o projeto avança para a Comissão de Legislação e Justiça (CLJ), contando com relatoria da vereadora Fernanda Altoé (Novo). Caso aprovado, o PL passará por mais comissões complementares, como a de Mobilidade Urbana e Orçamento, para analisar se o projeto é viável e se precisa de revisões e emendas.
Agora, resta ajudar a fortalecer o movimento, no aguardo de possíveis mudanças.
Links úteis:
Perfil vereadora Iza Lourença
Créditos:
Editoria: Júlia Miranda
Revisão: Gabriel Barcelos
Capa e design para redes: Carolina Cerqueira