Por Davi Reis
Quando um amigo assistiu à “Oeste Outra Vez” na Mostra CineBH 2024, a primeira coisa que me falou ao sair da sala de cinema foi: Tu vai chapar pra caralho com oeste, puta que pariu (frase que sempre me fala após terminar um filme, jogo ou livro que acha que vou gostar). De fato, o longa-metragem de Erico Rassi já me chamou a atenção por ser um “faroeste brasileiro” - ou western feijoada, como diz o diretor - já que é um dos meus gêneros cinematográficos prediletos. Com isso, fiquei bastante curioso em relação à abordagem que esse projeto gravado no cerrado goianiense teria com os códigos de um gênero tão entrelaçado à história do cinema americano.
Por um lado, esperava um filme que bebesse de fontes brasileiras que se inspiraram em filmes de John Ford e Anthony Mann, como “ O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (Glauber Rocha, 1968)” ou “O Cangaceiro (Lima Barreto, 1953)”. Em contrapartida, o trailer do filme mostrava alguns trechos de tiroteios que pareciam acontecer em cenas razoavelmente longas, o que me fez esperar sequências de ação agitadas e violentas a lá “Três homens em conflito (Sergio Leone, 1968)”, e como um bom ignorante e vidente bastante duvidoso, falhei nas minhas previsões.
Eis que aproximadamente seis meses após a exibição do filme no festival de cinema, Oeste Outra Vez lança comercialmente nos cinemas brasileiros (em Belo Horizonte, está em cartaz no UNA Belas Artes), e na tarde deste último domingo (30 de março de 2025), finalmente assisti ao novo projeto de Rassi.
Surpreendentemente, a sessão estava relativamente cheia (será que a cinefilia belorizontina está empolgada com o cinema nacional depois da temporada de premiações do longa não tão interessante do Walter Salles?), e apesar do filme carregar os signos que sempre espero identificar em um western, Oeste conseguiu ser algo que vai muito além dessas expectativas criadas por mim.
O filme conta a história de Totó (Ângelo Antônio) e Durval (Babu Santana), dois homens abandonados por Luiza (Tuanny Araújo) que se cruzam no meio de uma estrada de chão e acabam se enfrentando ao trocarem socos, o que desperta uma rivalidade violenta. Nesse mundo fictício criado por Rassi não há mais mulheres; só existe um plano nos 97 minutos de Oeste em que a câmera filma um close que mostra Luiza de costas, justamente no momento em que ela abandona aquele espaço.
O que sobra para o dispositivo cinematográfico registrar são homens tristes que, assim como os personagens de Babu e Antônio, foram abandonados por suas amadas, e são incapazes de compartilharem sua dor com outros seres humanos. Essa incomunicabilidade fica escancarada com a escolha de Erico de dirigir os atores para que eles performem de forma antinaturalista. São corpos que exalam desconforto ao conversarem entre si ao apresentarem um olhar distanciado e expressões tímidas.
Por conta dessa inépcia emocional, de tempos em tempos esses sujeitos cedem aos impulsos da violência, com direito a sequências de tiroteio em pleno meio-dia e uma perseguição de carro ao som de um remix de “Boate Azul”, um gesto bastante antropofágico.
Com o objetivo de potencializar essa postura omissa causada pela dor de corno, o diretor decupa o filme de forma que faz todas essas figuras (em especial, Antônio) parecerem oprimidas pelo quadro, com vários planos abertos cheios de espaços vazios que realçam o sofrimento latente enrustido no âmago desses homens violentos. É a partir da postura dessas figuras masculinas diante da solidão que Erico Rassi guia todas as suas escolhas de encenação.
Em contraste com o calor escaldante do cerrado registrado pelas lentes de André Carvalheira (diretor de fotografia) nas imagens gravadas durante o dia, as cenas noturnas apresentam planos mais fechados, em que André opta por usar poucas luzes e sombras duras para desfigurar os rostos seus personagens, de uma maneira que me lembrou o trabalho de Dante Spinotti em “The Insider” (Michael Mann, 1999), filme em que o fotógrafo faz os corpos e o espaço adquirirem a mesma textura.
No caso do longa-metragem de Mann, baseado em uma história real, trata-se de sujeitos que tentam revelar uma verdade latente em relação a produção tabagista nos Estados Unidos durante os anos 90, mas que percebem sua insignificância diante às engrenagens de um sistema que é muito maior do que cada um deles.
Apesar dessa diferença temática e situacional entre a trama dos dois filmes, ambos recorrem a escolhas de linguagem semelhantes para representar os mesmos sentimentos: a dor e o vazio que seus personagens sentem diante da falta de perspectiva de futuro naqueles mundos
Menos preocupado em ser uma ressignificação contemporânea dos códigos do faroeste do que no manejo da linguagem cinematográfica para representar um estado de espírito miserável e decadente, Oeste Outra Vez é um filme que tem sua forçanos gestos, nos diálogos e nas ações desses homens tristes, e Erico Rassi faz questão de criar uma encenação que potencializa esses sentimentos mórbidos, sem dar uma resposta ou solução para que Totô, Durval e companhia consigam seguir em frente.
Realmente … chapei pra caralho com esse filme...
Nota 4/5
Editoria e revisão: Gabriel Barcelos